Toda vez que desço no Aeroporto da Portela em Lisboa tenho vontade de fazer o clássico movimento do Papa, ajoelhar e beijar o chão, a agradecer por retornar à “minha cidade”. Sei que Lisboa não é só minha, e que reencontrá-la é reviver mais de 900 anos de encontros históricos.

D. Afonso Henriques com a muralha dos mouros, D. Manuel com os descobrimentos, Marquês de Pombal com a missão de reconstruir Lisboa depois do terremoto de 1755, D. Maria I com a Basílica da Estrela, D. João VI com a ameaça de Napoleão, D. Manuel II com o fim da monarquia, Fernando com Ofélia, Saramago com Pilar, Amália com o fado, os soldados com os cravos, Ronaldo com o gol, o Tejo com o Terreiro do Paço, o Castelo de São Jorge com o Elétrico 28, os turistas com os pastéis de Belém, o Elevador de Santa Justa com os Armazéns do Chiado, o Adamastor com o Cais de Sodré, o Café A Brasileira com o Bairro Alto, a rua Augusta com as arcadas do paço, o Rossio com a ginjinha, as Amoreiras com o aqueduto de águas livres, a Alfama com os trilhos, a poesia com a crônica, a literatura com o Nobel, a brisa do rio com a fumaça das castanhas no inverno, a avenida da Liberdade com o Parque Eduardo VII, o oriente com o futuro, o Oceanário com Vasco da Gama, as docas com a noite, a cozinha com o prazer de comer bem, o vinho com as promessas de amor eterno, o Coliseu com a música, as calçadas com a correria de uma capital, a saudade com a vontade de ficar.

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Em Lisboa também me encontrei e toda vez que tenho que regressar ao Brasil, deixo lá um pedaço meu a me esperar. Um pedaço não, vários. Ficam todos espalhados em diferentes “sítios”, como é costume dizer. Há retalhos da minha alma entre os azulejos do Miradouro de Santa Luzia. Há promessas na Igreja de Santo Antônio de Lisboa. Palavras não escritas no Martinho da Arcada. Há minha voz a gritar no Estádio da Luz. Ficam sempre alguns euros na Feira da Ladra. Outros mais na Bertrand Livreiros do Chiado. Mais alguns para o vinho verde no Pingo Doce. Há sonhos levados a partir do Cais das Colunas. Deixo amores mal resolvidos na Pensão do Amor, na “Rua Cor de Rosa”, ali pertinho do Cais de Sodré. Espalham-se pequenos pedaços de sabedoria compartilhada na Casa dos Bicos, onde está a Fundação José Saramago. E como não lembrar o pedaço de mau caminho que é o Mercado do Campo de Ourique, vizinho à Casa Fernando Pessoa. Na areia de Cascais deixo pegadas. No Centro Cultural de Belém deixo a expectativa para próxima exposição. E no Cabo da Roca, mais perto de casa, mais longe de Lisboa, lanço ao mar a roda da fortuna da vida. Deixo assim que ela decida meu destino.

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Sim, Lisboa faz isso consigo. Enche a mente de lembranças e o coração de saudades. Arrisco dizer que em nenhuma outra cidade do mundo, a palavra saudade, invenção exclusiva do nosso português, faça tanto sentido. Seja um ou cem dias, Lisboa sempre deixará saudades. Para suprir tal sentimento e trazê-la para mais perto, eternizei pensamentos, sentidos e palavras no meu primeiro livro Lisboa à Vista, com fotos e poesias inspiradas na cidade luz (ande pela capital portuguesa à noite, olhe para os prédios, para o topo das igrejas, para os postes de luz das praças, para as muralhas do Castelo de São Jorge e vai entender por que cidade luz).

Compartilho aqui, a crônica que fecha o livro, chamada de “crônica lisboeta sobre a lua”, escrita numa noite…bem, leia e entenda por si próprio. 

Crônica lisboeta sobre a lua

“Uma bica e dois pastéis de nata, faz favor”. Abriu o pequeno caderno de anotações e tentou escrever sobre a lua. Bem no momento em que ela deitava seu véu branco sobre a calmaria do Tejo. Sentado sob as arcadas do Terreiro do Paço, buscou inspiração em tempos que chegar ao outro lado do mundo era como ir à lua. Imaginou reis, rainhas e príncipes regentes a desfilar riquezas achadas. Porque achado não é roubado, é triunfo. Talvez, venha daí o nome na porta de entrada. Por um instante sentiu a terra tremer sob seus pés. A mão trêmula lembrou a de um assassino pronto para depor a monarquia ultrapassada. Deu de ombros ao perceber que era apenas o elétrico 28 que seguia rumo a ladeiras carregadas de histórias. Também estava carregado, de turistas. Mas e a lua? Naquela noite, podia tanto combinar com a tristeza do fado, como com a agitação do Bairro Alto. Pediu uma dose de ginjinha para tentar libertar ideias mais subversivas. Lembrou que ali, a repressão está fora de moda há quase 40 anos. Logo, serão mais anos de democracia do que de ditadura. São tempos de paz. Diga isso a São Jorge e sua eterna luta com o dragão, na lua. Os primeiros sinais do amanhecer despontaram no oriente. Passou a vista nas suas anotações e fechou o caderno. Ao sumir entre os becos da Alfama pensou: “Fernando que não é Pessoa, lamenta”. Tudo porque queria escrever sobre a lua em Lisboa.

Paulo “Don” Aguiar
Autor do livro Lisboa à Vista – Pensamentos, Imagens e Sentidos
Disponível para o Brasil e Portugal via Chiado Editora

Viaje a Portugal com tudo organizado

2 Comentários

  1. Genteeeeeeee! Que sintonia de sentimento!!! Eu também costumo dizer o mesmo que o Paulo escreveu:
    “Toda vez que desço no Aeroporto da Portela em Lisboa tenho vontade de fazer o clássico movimento do Papa, ajoelhar e beijar o chão, a agradecer por retornar à minha cidade”. <3 É muito amor por Lisboa. Muito.

    • Priscila Roque em

      Ai, Sandra… Eu também compartilho desse mesmo sentimento. Hoje, quando li o depoimento do Paulo, lembrei da primeira vez que vim a Lisboa. Ainda do avião, pensei: “Não vejo a hora de descer e beijar esse solo” <3
      Beijo grande e seja sempre bem-vinda!

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