Nesse mês, fui convidada para assistir a uma peça aqui em Lisboa que me impressionou desde o seu primeiro respiro. “Colaboracionistas” é uma das obras apresentadas pelo Fatias de Cá, um grupo de teatro português que mantém sua base em Tomar e tem como principal característica aproveitar espaços de cultura e de patrimônio como cenário para representar seus textos, além de partilhar um jantar com o público que se inclui no contexto e no valor da peça.
Livraria Ler Devagar
Essa curta temporada de “Colaboracionistas”, que termina nessa sexta-feira, dia 30 de maio de 2014, é apresentada no primeiro andar da livraria Ler Devagar, na LX Factory. Esse é um espaço que eu já tinha tido a oportunidade de conhecer rapidamente, mas não com um uso tão complexo e apaixonante.
A Ler Devagar dispõe seus materiais de uma maneira completamente diferente das grandes livrarias que estamos acostumados a frequentar. Porém, seu acervo é impressionante. Esse é o principal ponto de Lisboa para encontrar livros de cultura e arte, certamente. É também um espaço que mistura descontração, por vezes paz (nos cantinhos em que estão posicionadas poltronas para degustar os livros), ponto de encontro (entre o bar e o restaurante) e, claro, uma leitura devagar – como seu nome propõe – e até para divagar… Por que não?
Peça “Colaboracionistas”
Assim como as demais peças do grupo Fatias de Cá, “Colaboracionistas” consegue abraçar tão bem o local em que é representado – de modo que nos faz parecer e sentir que tal texto foi mesmo construído (adaptado, nesse caso) para ser reproduzido ali.
Não é somente o auditório local que é usado, mas também os próprios corredores, os menores cantinhos do primeiro andar e algumas mesas da Ler Devagar. O público caminha entre os livros para ir de uma cena a outra, ora senta, ora encosta-se em uma parede ou debruça sobre a escadaria. Cada momento de deslocação faz com que as ideias apresentadas sejam fixadas com mais intensidade, pois a peça cobra essa imersão de seus convidados.
Com texto original do britânico John Hodge e adaptação do português Carlos Carvalheiro, essa peça se passa em Moscou, no final dos anos 1930. Entre os personagens, verificamos conhecidos nomes da história e da cultura. Entretanto, o contexto é ficcional. O autor questiona como seria uma espécie de troca de favores entre o líder Josef Stalin e o escritor russo Mikhail Bulgakov. Stalin o ajudava a escrever, enquanto Bulgakov palpitava em suas decisões políticas.
Dividida em várias partes, a peça faz uma pausa no meio e oferece um jantar a todos, como disse no início do post. Essa característica está presente em grande parte das obras encenadas pelo FdC. Assim, o texto pode se prolongar um pouco mais e, citando a refeição em alguma etapa da peça, transporta os convidados para um momento de interação, discussão e reflexão sobre tudo aquilo que viram e o que esperam ver na parte final. O resultado é mais concentração e algo que vale (muito) a pena ser prestigiado.
Grupo Fatias de Cá
Com o lema “Não resistir a uma ideia nova nem a um vinho velho”, o grupo Fatias de Cá já atua nos palcos portugueses desde 1979. Com base em Tomar, eles têm em seu quadro 150 membros, entre atores profissionais e amadores.
Entre suas principais características e preocupações estão: aproveitar espaços do patrimônio como um cenário natural; partilhar com o público a refeição como uma forma de aproximação e discussão da peça em questão; emocionar e divertir a quem os prestigia. O grupo sempre parte do espaço arranjado. Depois, adequa as cenas ao local.
Se você estiver de passagem por Portugal e quiser fazer parte dessa experiência, acesse o site do FdC e verifique na agenda quais são as peças em cartaz e os locais de apresentação. “O Nome da Rosa”, de Umberto Eco, é uma outra elogiadíssima montagem do grupo e que está em cartaz há mais de 10 anos no Convento de Cristo, em Tomar.
Aproveitamos esse momento em que estivemos com eles para gravar um vídeo com Carlos Carvalheiro, o diretor do grupo e idealizador disso tudo. Assista!
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